Cercado de muito mistério e, até hoje, motivo de curiosidade para muitos moradores da cidade, o Cemitério Israelita de Cubatão é um grande enigma para ser decifrado. Não pela história das lápides, mas sim pelas histórias de quem dá nome a elas.
A história deste cemitério começou depois da chegada dos
primeiros judeus em Santos, que vinham do exterior em busca de emprego e
instalação de negócios comerciais.
Em Santos
chegaram dois tipos de judeus, os sefaradim (originados na Europa Ocidental, como
Portugal e Espanha) e os ashkennazim (do leste europeu, como Polônia
e Ucrânia). Foi na Vila Mathias onde se concentrou a maior parte deles,
principalmente na rua Júlio de Mesquita e imediações.
Vinham, em sua maioria, desprovidos de recursos financeiros,
mas, assim que chegavam, por se dedicarem ao pequeno comércio, progrediam, pois
dispunham de boa cultura, não necessariamente de escolaridade.
Mas não somente foram as crises vividas na Europa daquela época
que trouxeram os israelitas, pois alguns judeus envolvidos com o tráfico de
moças brancas, dando continuação a essa atividade ilegal, já desenvolvida na
Europa Oriental, o que também não deixou de ser uma fuga de problemas
sócio-econômicos.
Segundo professora Evania Martins Alves, autora do Trabalho de
Conclusão de Curso (TCC) do curso de História da Unisantos sobre o Cemitério
Israelita de Cubatão, existia uma organização mafiosa chamada Zwi Migda
(fundada na Polônia em 1904, com sede em Buenos Aires) responsável pelo tráfico
de moças brancas do Leste europeu para o mercado de prostituição da América.
Posteriormente,
houve uma cisão entre os cáftens (origem da palavra cafetão) e passou a existir
outra máfia, a Asquenasum, que passou a
reunir os judeus russos e romenos; a Migdal ficou mais com os poloneses.
De acordo com Evania, a operação partia de Varsóvia, capital da
Polônia e eram os próprios judeus que controlavam o tráfico; na maioria, judeus
poloneses, fato delicado na História e que incomoda algumas pessoas, porque
todos professavam o judaísmo: traficantes e traficadas.
A
existência dessas moças denominadas polacas não se apagou da memória dos moradores
mais antigos de Santos e Cubatão que conhecem essa história. Aspolacas eram prostitutas, em sua maioria,
loiras do leste europeu, que professavam o judaísmo. A própria palavra polaca ficou estigmatizada em algumas cidades
do litoral brasileiro com a conotação de meretriz e coisas sofisticadas, pela
atividade que desenvolviam e por andarem bem vestidas. Usavam roupas finas e
discretas, bijuterias italianas (imitação de ouro) e andavam perfumadas.
Segundo o estudo da professora, as mulheres eram enganadas com a
promessa de casamentos, pois os aliciadores disfarçados de comerciantes
endinheirados vindos da América chegavam nas famílias, principalmente do
interior, e alegavam que estavam em busca de uma esposa de mesma origem e
religião.
As moças desembarcavam sem saber que seriam submetidas à
prostituição. Algumas, realmente, casaram-se, enganadas, com os cáftens, sem saber
quem eram eles; outras recebiam propostas para casar na América e, no navio,
encontravam, algumas vezes, a verdadeira mulher do explorador. Quando ocorria o
casamento, o marido explorava a esposa e outras moças que caíam na mesma
armadilha. Sem dinheiro, sem falar a língua portuguesa, com os documentos
presos pelos cáftens, sem parentes, tendo perdido a virgindade e sem ter a quem
recorrer, eram forçadas a se prostituírem.
De extrema importância seria poder penetrar no submundo dos
polacos e tentar entender seu envolvimento com a vida nos bordéis e a questão
de explorarem moças da mesma origem, provavelmente por ser mais fácil o
relacionamento entre pessoas de mesma procedência. Essa época foi marcada por
uma intensa perseguição aos judeus do Leste europeu, o que não justifica toda a
prática dos gigolôs. Porém era uma forma de ganhar dinheiro e não ser
discriminado perante a sociedade européia, criando seu negócio num mundo
distante e à parte, no Brasil.
Para não serem discriminadas, as polacas criaram seu próprio
mundo. Surgiram, então, duas entidades: a Associação Beneficente Israelita de
Santos e a Associação Feminina Israelita de Santos. A última funcionava, nas
décadas de 1950 e 1960, na Rua Amador Bueno, 322. É provável que as duas
associações tenham se fundido em uma só quando as mulheres tomaram a frente dos
negócios. Até a década de 60, a instituição existiu e preocupou-se com a
conservação do Cemitério Israelita de Cubatão.
Por ser
uma sociedade conservadora, os judeus ignoravam de certo modo essas pessoas,
muitos deles até hoje ignoram o fato, pois alguns descendentes têm residência e
uma vida em nossa sociedade e preferem ignorar o fato das polacas
de santos.
Como nessa
época Cubatão era distrito de Santos e com uma população pequena, o episódio
das polacas e
dos polacos foi
mais escondida na sociedade santista para preservar a imagem da comunidade
judaica em Santos, pois a questão não era racial e sim social.
De acordo com Evania, na época acreditou-se que algumas das
pessoas que estão sepultadas no Cemitério Israelita de Cubatão estivessem
envolvidas com a questão da prostituição. Mas os judeus que levavam vida comum
não gostavam de misturar-se aos cáftens e suas prostitutas.
Aqueles que não viviam desse tipo de comércio preferiam
freqüentar outros ambientes e com isso havia distância entre os dois grupos,
sinagogas e cemitérios eram distintos para cada um.
Segundo a professora, no judaísmo existem muitas tradições,
entre elas diz que pessoas envolvidas com o meretrício e as suicidas deveriam
ser sepultadas ao lado do muro.
Por esses
motivos viu-se a necessidade da transferência do Campo
Santo datado de 1919,
foi transferido para Cubatão em 1930, ficando assim os dois cemitérios – o dos
israelitas e o dos cubatenses – lado a lado.
Com
fundamento em pesquisas e história oral, Evania acredita que o Cemitério
Israelita de Santos teria vindo transferido do Cemitério do Paquetá, uma área
nobre da cidade da época, por isso considerada inadequada para sepultamento daspolacas.
Cemitério nos anos 60 |
Segundo a pesquisa da professora o último enterro realizado no
cemitério foi em 1967, pois esta foi a última data encontrada numa lápide solta
de uma antiga campa. Porém, a última data de enterro constatada pela professora
nas sepulturas é 1966. Os registros são poucos para esclarecer as dúvidas.
O "campo-santo" de
Cubatão fica em um espaço separado, dentro do Cemitério Municipal. Possui 800
metros quadrados e 75 sepulturas feitas em granito (55 de mulheres e 20 de
homens), sendo que a lápide mais antiga data de 1924 e a mais recente é de
1966. Vários representantes da Chevra Kadisha, Associação que administra o local, demonstrando a própria importância financeira
deles dentro da Associação Beneficente Israelita.
Outro
destaque de Evania é sobre a raridade sobre os casos de pessoas com os mesmos
sobrenomes, portanto, não foi possível relacionar parentescos. O casal Rubim
por exemplo, apresenta características diferentes – pelas inscrições seriam
esposos. Os homens, em sua maioria, tiveram esposas e filhos. Sabemos que
algumas mulheres casaram-se, tiveram filhos, outras tiveram filhos sem se
casar; e ainda outras deixaram apenas lembranças de companheiras e amigas ou aindaúltima amiga da
Associação Feminina Israelita de Santos.
Pessoas da comunidade israelita de Santos dizem não conhecer o episódio daspolacas, muito menos o cemitério, e alegam que os judeus ali sepultados não têm mais parentes aqui no litoral. Já outras pessoas da comunidade confirmaram a presença das polacas.
Já um casal de São Paulo, e que prefere não ser identificado, faz visitas ao campo santo e cuida da limpeza de poucas campas, mas ao serem perguntado sobre o cemitério desconversam o motivo da visita e o episódio das polacas.
Dias Atuais (Foto: Rodrigo Fernandes) |
O cemitério Israelita de Cubatão é o primeiro
tombado definitivamente no Brasil, segundo Beatriz Kushnir, historiadora e
Diretora do Arquivo Geral do Rio de janeiro, que também participou da
solenidade. “O resgate da saga da imigração judaica e das pessoas que estão
enterradas naquele local não têm preço”, afirmou emocionada. Há mais de 20 anos
Beatriz está envolvida em pesquisas sobre cemitérios israelitas no país e a
história de vida das chamadas “polacas”. Mulheres judias que no início do
século XX fugiram para o Brasil durante o antissemitismo com a promessa de
casamentos, mas acabaram sendo exploradas. E muitas delas foram enterradas
neste cemitério judaico.
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