terça-feira, 7 de abril de 2015

Um lugar recheado de mistério e história


Cercado de muito mistério e, até hoje, motivo de curiosidade para muitos moradores da cidade, o Cemitério Israelita de Cubatão é um grande enigma para ser decifrado. Não pela história das lápides, mas sim pelas histórias de quem dá nome a elas.
A história deste cemitério começou depois da chegada dos primeiros judeus em Santos, que vinham do exterior em busca de emprego e instalação de negócios comerciais.
Em Santos chegaram dois tipos de judeus, os sefaradim (originados na Europa Ocidental, como Portugal e Espanha) e os ashkennazim (do leste europeu, como Polônia e Ucrânia). Foi na Vila Mathias onde se concentrou a maior parte deles, principalmente na rua Júlio de Mesquita e imediações.
Vinham, em sua maioria, desprovidos de recursos financeiros, mas, assim que chegavam, por se dedicarem ao pequeno comércio, progrediam, pois dispunham de boa cultura, não necessariamente de escolaridade.
Mas não somente foram as crises vividas na Europa daquela época que trouxeram os israelitas, pois alguns judeus envolvidos com o tráfico de moças brancas, dando continuação a essa atividade ilegal, já desenvolvida na Europa Oriental, o que também não deixou de ser uma fuga de problemas sócio-econômicos.
Segundo professora Evania Martins Alves, autora do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) do curso de História da Unisantos sobre o Cemitério Israelita de Cubatão, existia uma organização mafiosa chamada Zwi Migda (fundada na Polônia em 1904, com sede em Buenos Aires) responsável pelo tráfico de moças brancas do Leste europeu para o mercado de prostituição da América.
Posteriormente, houve uma cisão entre os cáftens (origem da palavra cafetão) e passou a existir outra máfia, a Asquenasum, que passou a reunir os judeus russos e romenos; a Migdal ficou mais com os poloneses.
De acordo com Evania, a operação partia de Varsóvia, capital da Polônia e eram os próprios judeus que controlavam o tráfico; na maioria, judeus poloneses, fato delicado na História e que incomoda algumas pessoas, porque todos professavam o judaísmo: traficantes e traficadas.
A existência dessas moças denominadas polacas não se apagou da memória dos moradores mais antigos de Santos e Cubatão que conhecem essa história. Aspolacas eram prostitutas, em sua maioria, loiras do leste europeu, que professavam o judaísmo. A própria palavra polaca ficou estigmatizada em algumas cidades do litoral brasileiro com a conotação de meretriz e coisas sofisticadas, pela atividade que desenvolviam e por andarem bem vestidas. Usavam roupas finas e discretas, bijuterias italianas (imitação de ouro) e andavam perfumadas.
Segundo o estudo da professora, as mulheres eram enganadas com a promessa de casamentos, pois os aliciadores disfarçados de comerciantes endinheirados vindos da América chegavam nas famílias, principalmente do interior, e alegavam que estavam em busca de uma esposa de mesma origem e religião.
As moças desembarcavam sem saber que seriam submetidas à prostituição. Algumas, realmente, casaram-se, enganadas, com os cáftens, sem saber quem eram eles; outras recebiam propostas para casar na América e, no navio, encontravam, algumas vezes, a verdadeira mulher do explorador. Quando ocorria o casamento, o marido explorava a esposa e outras moças que caíam na mesma armadilha. Sem dinheiro, sem falar a língua portuguesa, com os documentos presos pelos cáftens, sem parentes, tendo perdido a virgindade e sem ter a quem recorrer, eram forçadas a se prostituírem.
De extrema importância seria poder penetrar no submundo dos polacos e tentar entender seu envolvimento com a vida nos bordéis e a questão de explorarem moças da mesma origem, provavelmente por ser mais fácil o relacionamento entre pessoas de mesma procedência. Essa época foi marcada por uma intensa perseguição aos judeus do Leste europeu, o que não justifica toda a prática dos gigolôs. Porém era uma forma de ganhar dinheiro e não ser discriminado perante a sociedade européia, criando seu negócio num mundo distante e à parte, no Brasil.
Para não serem discriminadas, as polacas criaram seu próprio mundo. Surgiram, então, duas entidades: a Associação Beneficente Israelita de Santos e a Associação Feminina Israelita de Santos. A última funcionava, nas décadas de 1950 e 1960, na Rua Amador Bueno, 322. É provável que as duas associações tenham se fundido em uma só quando as mulheres tomaram a frente dos negócios. Até a década de 60, a instituição existiu e preocupou-se com a conservação do Cemitério Israelita de Cubatão.
Por ser uma sociedade conservadora, os judeus ignoravam de certo modo essas pessoas, muitos deles até hoje ignoram o fato, pois alguns descendentes têm residência e uma vida em nossa sociedade e preferem ignorar o fato das polacas de santos.
Como nessa época Cubatão era distrito de Santos e com uma população pequena, o episódio das polacas e dos polacos foi mais escondida na sociedade santista para preservar a imagem da comunidade judaica em Santos, pois a questão não era racial e sim social.
De acordo com Evania, na época acreditou-se que algumas das pessoas que estão sepultadas no Cemitério Israelita de Cubatão estivessem envolvidas com a questão da prostituição. Mas os judeus que levavam vida comum não gostavam de misturar-se aos cáftens e suas prostitutas.
Aqueles que não viviam desse tipo de comércio preferiam freqüentar outros ambientes e com isso havia distância entre os dois grupos, sinagogas e cemitérios eram distintos para cada um.
Segundo a professora, no judaísmo existem muitas tradições, entre elas diz que pessoas envolvidas com o meretrício e as suicidas deveriam ser sepultadas ao lado do muro.
Por esses motivos viu-se a necessidade da transferência do Campo Santo datado de 1919, foi transferido para Cubatão em 1930, ficando assim os dois cemitérios – o dos israelitas e o dos cubatenses – lado a lado.
Com fundamento em pesquisas e história oral, Evania acredita que o Cemitério Israelita de Santos teria vindo transferido do Cemitério do Paquetá, uma área nobre da cidade da época, por isso considerada inadequada para sepultamento daspolacas.
Cemitério nos anos 60 
Com a instalação da Refinaria Presidente Bernardes na cidade, local onde abrigava o antigo cemitério da cidade, houve a transferência dos dois cemitérios para o atual endereço, onde era o antigo Sítio Cafezal. O Cemitério Israelita está dentro do Cemitério Municipal de Cubatão, na Rua José Vicente, em uma ala separada.
Segundo a pesquisa da professora o último enterro realizado no cemitério foi em 1967, pois esta foi a última data encontrada numa lápide solta de uma antiga campa. Porém, a última data de enterro constatada pela professora nas sepulturas é 1966. Os registros são poucos para esclarecer as dúvidas.
O "campo-santo" de Cubatão fica em um espaço separado, dentro do Cemitério Municipal. Possui 800 metros quadrados e 75 sepulturas feitas em granito (55 de mulheres e 20 de homens), sendo que a lápide mais antiga data de 1924 e a mais recente é de 1966. Vários representantes da Chevra Kadisha, Associação que administra o local, demonstrando a própria importância financeira deles dentro da Associação Beneficente Israelita.
Outro destaque de Evania é sobre a raridade sobre os casos de pessoas com os mesmos sobrenomes, portanto, não foi possível relacionar parentescos. O casal Rubim por exemplo, apresenta características diferentes – pelas inscrições seriam esposos. Os homens, em sua maioria, tiveram esposas e filhos. Sabemos que algumas mulheres casaram-se, tiveram filhos, outras tiveram filhos sem se casar; e ainda outras deixaram apenas lembranças de companheiras e amigas ou aindaúltima amiga da Associação Feminina Israelita de Santos.
Pessoas da comunidade israelita de Santos dizem não conhecer o episódio daspolacas, muito menos o cemitério, e alegam que os judeus ali sepultados não têm mais parentes aqui no litoral. Já outras pessoas da comunidade confirmaram a presença das polacas.
Já um casal de São Paulo, e que prefere não ser identificado, faz visitas ao campo santo e cuida da limpeza de poucas campas, mas ao serem perguntado sobre o cemitério desconversam o motivo da visita e o episódio das polacas.
Dias Atuais (Foto: Rodrigo Fernandes)
No dia 25/08/2010, a prefeita Márcia Rosa(PT), assinou o decreto que validou o tombamento definitivo do cemitério. Isso só pode acontecer porque Conselho da Defesa do Patrimônio Cultural (Condepac), sempre lutou por esse reconhecimento.
O cemitério Israelita de Cubatão é o primeiro tombado definitivamente no Brasil, segundo Beatriz Kushnir, historiadora e Diretora do Arquivo Geral do Rio de janeiro, que também participou da solenidade. “O resgate da saga da imigração judaica e das pessoas que estão enterradas naquele local não têm preço”, afirmou emocionada. Há mais de 20 anos Beatriz está envolvida em pesquisas sobre cemitérios israelitas no país e a história de vida das chamadas “polacas”. Mulheres judias que no início do século XX fugiram para o Brasil durante o antissemitismo com a promessa de casamentos, mas acabaram sendo exploradas. E muitas delas foram enterradas neste cemitério judaico. 










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